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terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Cronistas do Estadão

Livro reúne cronistas e crônicas publicadas no jornal O Estado de S. Paulo ao longo de sua história.

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Da Redação

O Jornalista e escritor pinhalense Moacir Amâncio organizou e editor, em 1991, o livro "Cronistas do Estadão", uma coletânea que reúne texto dos principais cronistas que passaram pelo jornal, entre eles: Fernando Sabino, Euclides da Cunha, Ligia Fagundes Teles, Carlos Drummond de Andrade, Érico Veríssimo, Paulo Francis, Rubem Braga e Raquel de Queiroz.
O Leitor Pinhalense selecionou dois dos textos publicados no livro: "Fazer versos", de Guilherme de Almeida e "O poeta no bar", de Luiz Martins.

Fazer versos
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Por: Guilherme de Almeida

- Sim, custou muito.
Foi preciso, primeiro, que eu fosse bem criancinha ainda e chorasse muito sem saber por quê... E mais tarde...
... que eu descobrisse o arco-iris, achasse lindo, mas lhe desse as costas para compreender o sol. E depois...
... que eu aprendesse a ler e a escrever, achando interessante o desenho das letras, suas curvas e suas retas. E então...
...que eu começasse a dizer as palavras e a gostar delas, independentemente do seu sentido, apenas pela sua musicalidade. E por isso...
... que eu procurasse saber como foi e para que foi que elas nasceram, e por que, e onde, e quando. E, pois...
... que eu percebessem serem elas multiformes, variando, segundo o tempo e o espaço e a boca das raças diferentes que a dizem. E, no entanto...
... que eu entendesse ser a sua forma, na grafia e no som, diferentes, sendo todavia um mesmo o seu sentido, isto é, o seu espírito. E este era preciso...
... que eu achasse parecido com aquela, como a alma se parece com o corpo. E, baseado nessa harmonia...
... que eu elegesse a expressão exata, capaz de exprimir qualquer coisa...
... que eu criasse e guardasse em mim, fechada, secreta, proibida, porque me pareceu imoral. Mas para que não morresse ela comigo...
... que eu tivesse a coragem de tirá-la do meu mundo e revelá-la e entregá-la ao mundo de todo o mundo. E agora...
... que, retrocedendo, voltasse eu à criançinha que fui, chorando muito, sem saber por quê.

Isso, aí em cima, para responder ã pessoa amiga que me perguntou, outro dia, se me custou muito fazer o meu primeiro verso.
* Crônica publicada no jornal O Estado de S. Paulo, em 09/09/1961


O poeta no bar
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Por: Luiz Martins

Conversa que ouvi num bar, em horas crepusculares, de um poeta com três ou quatro aperitivos no bucho com um amigo, pelo visto, não menos provido de combustível. Dizia o poeta:
- PIS é como te digo, caboclo, chegou a hora da onça beber água, ou seja, o instante mágico do êxtase poético. Pede mais gelo. E vê se me arranjas um pára-brisa de silêncio, para proteger dos tumultos do dia esta ilha de sonho. A vida parou.
- Deixa disso, velhinho.
- Quero beber solidão...
- Não mistura. Bebe outro uísque.
- Quero beber solidão, bruto ignaro, que estou sentindo o poema percorrer meu corpo, com seus pés sutis.
- É. Já reparei que neste bar tem pulga. Vou falar com o Ronoel.
- É o poema, cretino. Para seu governo, acho-me em transe poético. Nã0 tem pulga nenhuma, estou suando lirismo e sempre que chego a este ponto sinto cócegas versejadoras insinuando-se pelo meu ser, entre a camisa e a pele. Acho que isto se chamava antigamente inspiração. No meu caso é transpiração.
- O.K., meu faixa.
- O fato é que esse crepúsculo me deixa nervoso e comovido. E eu perambulo, sonâmbulo, pelas margens de silêncio do lago do devaneio. Paisagens de baira-sonho...
- Está legal pra burro!
- Anoiteço com meiguice. A estrela que fica além, além da Serra da Estrela, conduz meus passos incertos, pisando a esmo, assim mesmo, os estilhaços do dia. Beijei a boca da noite.
- Se tua mulher sabe disso!
- Que sabe a mulher do homem – e o homem que sabe dela? Dá-me tua mão suavíssima, oh! doce amiga, imaculada e bela!
- Sai pralá!... Que conversa é essa? Está me estranhando?
- Não é você, cavalgadura! Falo da noite.
- Ahn! Bom! Então, antes que eu me esqueça: vamos pro penúltimo?
- Os penúltimos serão os primeiros; e muitos serão os chamados, porém, poucos os escolhidos.
- Esta eu matei. Você está falando da instalação de telefones. É ou não é?

Chegou uma pessoa conhecida e pôs-se a conversar comigo; não pude, assim, ouvir o resto da conversa do poeta que queria beber solidão, mas, enquanto a solidão não vinha, ia mesmo bebendo uísque.
* Crônica publicada no jornal O Estado de S.Paulo, em 22/12/1961

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