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terça-feira, 19 de janeiro de 2010

...e a cobra fumou


Produzido nos campos de batalha, jornal foi fonte de informação para A Gazeta Esportiva

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A Gazeta Esportiva 




Higino Correia é um desses patrícios que, de maneira brilhante, lutaram contra o totalitarismo, integrando a Força Expedicionária Brasileira. Na vida civil, antes de seguir para o Velho Mundo, Higino sempre se mostrou um apaixonado do futebol, esporte que admirava e praticava. Pertenceu ao quadro principal Neofarma F. C., que disputava o certame da L.E.C.I.. Além disso, sempre se mostrou um nosso grande e desinteressado amigo, e sempre que podia dava um pulo até a redação, afim de nos trazer o seu abraço cordial.
Convocado que foi, seguiu para a Itália e passado algum tempo, recebemos sua primeira carta, a qual não deixamos de responder. Em seguida, ao invés de uma nova missiva, um interessante número de um jornalzinho cujo título era “... e a cobra fumou!”, editado em plena linha de frente, e do qual Higino figurava como redator-chefe. Encerrava esse jornal estupendo material, não só de noticiário comum, como também esportivo. Daí termos aproveitado não poucas notícias transcritas em nossas edições diárias e esportivas. E depois, outros números vieram, e nós nunca deixamos de nossas “vantagens”, publicando sempre as notícias insertas nos mesmos.
Mas notamos que a medida que o tempo passava, mais progressos acusava o vespertino – mirim dos expedicionários brasileiros. E ficamos matutando: “Como é que, numa linha de frente, seria possível a confecção de um jornal tão bem feito e tão caprichado?”
A guerra teve fim e os nossos soldados retornaram à pátria e integrando o primeiro escalão da FEB veio também Higino Correa. E assim que chegou a São Paulo, o então cabo Higino Correa não deixou de vir nos trazer seu abraço amigo. E assim palestramos longamente.
Inicialmente, abordamos coisas registradas no “Front” e tivemos então ensejo de verificar quão árduo e brilhante foi o desempenho dos “pracinhas” nos campos de batalha europeus. Mas, não ficamos só nisso. Como era natural, procuramos saber algo a respeito de esportes, e lançamos a primeira pergunta referente ao assunto.
-vocês praticavam esportes lá na linha de frente?
-como não! Sempre que podíamos e nos momentos de tréguas.
-que espécie de esporte?
-futebol e voleibol, de preferência.
-e o “material”?
-bem... “Material” mesmo, nós não tínhamos, a não ser bolas. O resto, a gente arrumava, com as botinas de campanha, etc...
E depois de uma ligeira trégua, como que querendo a recordar de alguma coisa, Higino saiu-se com essa:
-aliás, com relação ao futebol, tenho um caso sobremaneira divertido. Estávamos em Roghera. O dia parecia calmo, pois não tínhamos inimigos à vista e nem havíamos sofrido qualquer ameaça. Inventamos então de disputar uma partida em plena linha de fogo, num terreno mais ou menos apropriado para isso; e o “pega” teve início após a formação das duas equipes. Sucede, porém, que uma patrulha alemã abriu fogo contra a turma e interrompeu o jogo...
-e vocês concordaram com isso?
-que esperança! A turma contra-atacou, espantou a patrulha para longe e voltou para o segundo tempo...
-e como é que terminou esse jogo?
-olha, para dizer a verdade, nem me lembro, pois a confusão era medonha. Não tinha juiz e cada time reunia mais ou menos uns 20 jogadores...
-e quanto ao voleibol?
-jogávamos também. Em todas as cidades que tomávamos posição, armávamos uma rede provisória em local mais ou menos adequado, e depois quando podíamos iniciávamos os “canindés”.
Mas não havíamos ainda atingido o nosso objetivo. A nossa maior curiosidade residia justamente na forma pela qual era feita o jornalzinho que o Higino sempre nos remetia. E fomos então ao assunto:
-como é que conseguiram criar lá no “front” o jornal “...e a cobra fumou!”?
-a idéia vinha sendo alimentada desde a nossa partida do Brasil, idéia essa substanciada por um jornal americano que se publicava na escola de minas, lá na Itália, e da qual eu fui aluno, pois me especializei na caça de minas. Inicialmente, o jornal teve vida da seguinte forma: as notícias eram datilografadas em cinco vias e as mesmas eram distribuídas uma para cada campanha.
-e como é que faziam para ler o jornal?
-colocava-se aquela via num pedaço de madeira fincado no chão e o pessoal fazia fila para a leitura.
-e daí?
-quando começamos a nos aproximar de cidades grandes, as notícias eram escritas na linha de frente e de lá seguiam para o posto de comando, onde o sargento Catani as dactilografavas e as enviava para uma cidade da retaguarda, onde então o jornal era impresso numa tipografia qualquer do local.
-e as despesas?
-quasi sempre eram custeadas pelos próprios soldados, mediante contribuições espontâneas.
-e quais foram os outros fundadores e redatores do jornal?
-major João Carlos Groos, ten. José Alfio Piason, sargento José Luiz Catani e soldados Daucio Pires Barbosa, Alvim de Oliveira Alves e Alceu Nogueira Scares.
-além de cabo e redator do jornalzinho, desempenhava outra linha de frente?
-sim. Era raio-telegrafista, intérprete de inglês e caça-minas especializado.
E por mais tempo permanecemos em palestra com Higino Correa; que agora já licenciado voltará a sua vida costumeira entre nós, retornando naturalmente à prática do futebol e à realização de suas sempre estimadas visitas à turma cá da casa que tem nele um bom e atencioso amigo.
* Transcrito da edição número 1156 de A Gazeta Esportiva, publicada no dia 25 de agosto de 1945.





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